27 de novembro
1h 30min.

-
Posso te levar pra vê-la!
Tomei um bom banho, foi confortante, a água se
confundia com minhas lágrimas num choro suave e sem som. Eu nem parecia chorar.
Estava me sentindo uma múmia. A toalha
estava sobre a cama. Mamãe com certeza iria brigar se tivesse visto isso. Meu
cabelo não secou por completo, estava congelando. Talvez minha pressão
estivesse baixa. Abri o guarda-roupa, procurei a roupa que me deixa-se mais
discreto, a que podia fazer isto estava molhada, meu casaco vermelho sempre
estava ali pra me ajudar nessas situações, mas cadê ele agora?
Parecei que todas as minhas roupas eram
fantasias de carnaval, nada se encaixou. Vi o pacote cinza, pacote que eu havia
recebido há uns dois meses. Nunca quis ver. Mas era do meu pai. E infelizmente
era tudo que me restava. Pus em cima da cama, abri. Era um casaco azul, claro
que era uma dica da mamãe, ele não sabia disso. Era perfeito. Eu me negava a gostar
dele. Coloquei-o. Tanto me senti com mais calor quanto melhor, no que se diz
respeito à paz de espírito. Alana estava
sentado no sofá com o controle da televisão na mão, a TV fechada. Ele me olhou quase asustada...
-
Tô pronto...
-
Ótimo! Casaco bonito! É novo?
-
É o que o meu pai me deu...
Ela não acreditou, demonstrou serenidade, eu
me senti bem. Pegou a bolsa, o celular e a chave do carro. Eu também peguei o
meu celular, não haviam chamada. Só uma mensagem do Victot...
“... to pensando em passar o natal com meu pai, ei me liga
aeee... bj”
Ninguém
disse nada no elevador. Entramos no carro que estava na frente do prédio. Pude
ver que a TV no quarto da Ju estava
ligada pela luminosidade. Eu não ia acordá-la pra dizer algo como isso. Ia
matar ela. Deixa ela ter uma boa noite de sono, ao contrário de mim...
As ruas desertas, a chuva fraca, quase uma
neblina. Passamos pela rua em que eu estava caído. Por um minuto pensei em
voltar no tempo. Não sair da calçada, melhor, não sair da chácara. Não deixar
minha mãezinha morrer assim, sem mim.
15 de março
18h 35min.
Naquele mês começara a chover, pouco ainda,
mas já chovia. Minha vó morreu pela madrugada, na sua casa. O quarto onde ela
ficara hospedada durante os últimos meses de vida na minha casa ainda estaca
quente. A chácara realmente parecia morta naquele dia. A piscina redonda nem
movia uma gota de sua imensidão de gotas. Eu podia ver da janela do meu quarto
que ficava nos segundo andar, o velho salgueiro sendo invadido pelos morcegos
sombrios.
Meu quarto estava quase arrumado, a cama
estava com a toalha sobre a colcha azul marinho. A mesinha velha de uma madeira
quase fina estava quase encoberta por roupas, o notebook estava cercado por cuecas. Meu guarda-roupa de madeira era
mais velho que meu avô, mamãe adorava comprar coisas antigas. Ainda pensei em
levar meu iphone pro enterro, mas...
Ia ser um desrespeito, vovó sempre se incomodava quando eu ouvia musica. Fiquei
na cama um tempinho me arrumei muito rápido, mamãe ainda devia estar no banho.
Como dever ser perder a mãe?
Difícil. Meu pai me abandou quando eu tinha
cinco anos, passado. Mas morrer... Deve ser tenso.
Tia Sarah estava lá quando vovó morreu, parece
que não foi algo tão dolorido. Não sei! Deve ser estranho morrer. Ela passou o
dia em algum lugar onde os caras iriam fazer uma biópsia no corpo da vovó.
Mamãe passou mal o dia todo. Chorou na sala, na cozinha, em toda a casa. Perdi
a noção do tempo...
Fui andando pelo corredor, pela janela central
pude perceber que neblinava. No criado com as fotos da família faltava a
central, a principal, a foto que mamãe sempre zelou. Fui em busca dela...
A porta do quarto estava aberta, vi logo o
quadro com a passagem de Paris, o grande espelho que se podia enxergar a TV e a porta do banheiro. Na cama mamãe
chorava vendo o porta-retrato que havia sumido da estante. Ela nem percebeu que
eu estava lá, havia algumas roupas sobre a cama. Mas ela escolheu o vestido
preto que eu dei de presente pra ela no seu ultimo aniversário.
-
Oi filho...
-
Mãe...
-
Pode ir pro carro já to descendo!
-
Tá!
Ela pegou a bolsa que competia espaço com seus
prêmios de melhor radialista dos últimos quatro anos no criado-mudo. Desci a
escada calmamente, abri a porta, fiquei na varanda até mamãe vir trancar a
porta. Entramos no carro, calados. O
velho Gol estava frio, as janelas estavam cheias de gostas. Isso me fascinava.
Mamãe dirigiu rápido, algo estranho já que ela não passava de 30km/h. A chácara
estava há 10 minutos da cidade, um lugarzinho pequeno, haviam cerca de 4 mil
pessoas lá. Mas era uma cidade linda, verde, fria, simples e foi lá que eu vivi
a vida toda, numa escola onde todos me isolavam pelo meu jeito diferente.
Bem que eu já estava no ultimo ano, porém,
cidade pequena, eles iam viver comigo sempre.
Que pena. Mas eu gostava de lá. Era meu lugar né. Chegamos ao lugar onde
estava sendo velado o corpo da vovó, mamãe estacionou ao lado do carro de tia
Sarah, uma Pajero prata de arrepiar. Entramos num lugar quente e com algumas
mulheres, meio velhinhas, provavelmente amigas da vovó, que rezavam quase numa
voz só. Tia Sarah estava numa cadeira isolada das senhoras, olhando pro caixão
que estava no centro, não quis ver vovó de primeira.
Mamãe beijou a testa de vovó, passou um tempo
lá, tia Sarah me abraçou, de forma que eu, mesmo tendo 1,80 de altura, quase me
quebrava, a entendia, pelo menos tentava. Choramos um tempinho. A lua estava
quase que escondida atrás das nuvens que derramavam água fracamente. Mamãe
abriu as janelas bebeu café e lá nós ficamos até o amanhecer...
Dormir numa sala onde havia um sofá, cheiro de
mofo, bem desconfortável, mas... Mamãe nem dormiu, tia Sarah foi dormir na casa
da vovó. Ofereci leite pra mamãe, ela tava sem fome. Aos poucos o lugar ficou
lotado. Tia Sarah que chegou ao meio da multidão, falou baixinho no meu ouvido:
-
Mó galera veio só pra fazer tumulto.
Ri
baixinho. Criei coragem. Fui ao caixão, vi vovó, calada, triste e morta. Ela
sempre foi tão feliz e agitada. Doía ver ela assim. A doença machucou muito ela,
os adorados cabelos caíram com a quimioterapia, na pela havia pequenas quase
imperceptíveis marquinhas de furadas com agulhas. Talvez fosse menos doloroso
pra ela morrer agora. Mais uma vítima do câncer de mama.
Durante a tarde o caixão foi posto num carro e
o seguimos até o cemitério da cidade. Os jazidos estavam cobertos de flores. As
cruzes brancas davam ao lugar um ar meio celestial, mesmo que a neblina
forçasse a cena se tornar algo mais melancólico, como de fato foi. Mamãe pôs a
foto sobre o caixão, chorado muito, todos se emocionaram, o padre orou.
Pedi a Deus força pra mamãe, pra tia Sarah,
pra mim, pra vovó que podia estar em um lugar estranho, sei lá?! A foto era
linda e triste, eu nos braços do meu falecido vô, cercados por mamãe, minha tia
e vovó, todos na chácara, era o natal de 1996. No outro ano vovô morreu numa
parada cardíaca enquanto dirigia o carro em direção há chácara. O carro parou.
O tempo não...
Todos saíram do cemitério lentamente. Entramos
no carro. Mamãe hesitou em começar a dirigir. Tia Sarah buzinou, mamãe criou
coragem, hora de voltar pra casa. Começou a chover mais forte, ferozmente. Mal
se via a estrada. Mamãe acelerou.
-
Mãe, é melhor ir mais devagar.
-
OK!
Continuou
rápido. Desliguei o som que tocava Bob Dylan, o cantor favorito da mamãe:
-
Vai devagar...
Fiquei teso... Ela desacelerou de repente dois
vultos surgiram, mamãe não pode parar, atropelou um.
-
Mãe!
Nunca havia dado um grito tão desesperado na
minha vida. Mamãe parou... Alguém gritou:
-
Gean!
-
Matamos ele. – mamãe disse trêmula.
Havia um corpo na frente do carro, uma
bicicleta caída e amassada, um homem gritando, uma pobre mulher que havia
acabado de perder a mãe aterrorizada e um garoto avulso. Eu. Sai do carro, me
aproximei do homem enquanto seu amigo o pegava nos braços.
-
Vamos levar ele pro hospital. – eu disse extremamente tenso.
Enquanto isso na minha frente no meio de uma
chuva pesadíssima, um homem belíssimo, alto, moreno e forte segurando outro
homem maravilhoso, é demais pro meu coração. O rapaz colocou o atropelado no
banco de trás e se sentou. Ficou nos olhando um tempinho.
-Eu
sou o Pedro!- ninguém respondeu. -Desculpe o Gean, ele sempre quer dá uma de
pirado! – disse rindo.
Quis rir, mas o frio não deixou, minha roupa
completamente molhada, minha calça jeans estava quase que passara do azul
claríssimo pro azul marinho. Os homens atrás usavam roupas curtas e apertadas,
parecia um plástico, eram ciclistas, e profissionais, realmente, ouvi dizer na
escola que haveria um campeonato na cidade de bicicletas. Corremos pro
hospital, ao chegarmos à cidade o homem desmaiado abriu os olhos pra alivio
geral da nação. Que merda heim! Minha mãe matar alguém no dia do enterro da mãe
dela.
Ele não sangrava. Mas reclamou de dores na
perna esquerda. O atropelado era mais bonito que o outro, Pedro, era alto,
cabelos cacheados, devido à chuva os terem molhado estavam laranja escuro, mas
acho que são loiros. Era menos forte, mas, mais sexy. O tipo de cara que passa
e todo mundo baba, até os outros caras.
Eu sempre fui um garoto quieto, nunca fui
galinha nem peguei meio mundo de gente, eu só fiquei uma vez com alguém, Dani,
era bonita e a única pessoa que eu falava na escola, o irmão dela me odiai por
isso, chegou a me socar. Passado. Sempre soube que eu era gay. Pelo menos tinha
certa idéia.
Sempre fui isolado por toda a cidade, todos
amavam minha mãe e seu programa matinal numa rádio da cidade, eu era
considerado um ET, pelo menos era
como eu me sentia andando pelas ruas.
Não que as pessoas me jogassem pedras ou xingamentos gratuitos, mas
existem olhares dizem mais que mil palavras, nunca revidei olhares nem pequenas
indiretas na escola, a boca é uma arma e o silencia a pior resposta.
Ao ver Gean sendo levado na cadeira de rodas
pra dentro do hospital eu pensei, esse é o homem certo, mas, na hora errada...