7 de dezembro de 2010

dois


27 de novembro
2h 15min.
Eu estava num corredor assustadoramente branco, onde só havia placas de silêncio e bancos brancos e aparentemente impecavelmente limpos, Alana pôs a mão no meu ombro, tentando me dar uma força que talvez nem ela tivesse naquele momento, tão delicado. Uma enfermeira loirinha nos guiou até uma sala:
- Quer que eu entre?- Alana falou, mas eu sabia que nós dois sabíamos que a resposta era não.
- Não...
Alana soltou minha mãe, pude sentir o sangue correr de novo, ela realmente estava tensa, enquanto eu sentia uma dor no peito que parecia sugar todas minhas poucas energias. Acho que nem deu pra ouvir o que eu acabei de dizer, entrei. Segui a enfermeira pela sala escura, mesmo com algumas lâmpadas fracas acesas, tentei não olhar muito pros lados até que ela chegou numa maca central, pegou o pano que cobria o corpo, nos filmes parecia bem menos doloroso, era minha mãe, ela estava morta, coberta por um pano de hospital imundo, que ódio, por o senhor fez isso em Jesus? Minha mãe já sofreu tanto...
 Era ela... Meu Deus.
- Mãezinha...
 Tentei tocá-la, não deu. A enfermeira saiu, ela quase chorava também, uma lagrima desceu, logos outras milhares a seguiram em direção ao desespero eminente em que eu me encontrava. O rostinho macio e lindo dela estava branco, quase roxo, morto. Nem parecia que ela tinha sangue. Eu nunca vou esquecer isso. Tentei me sentar em alguma cadeira, o chão era o que me restava.
- Mãe...
 Tentei gritar baixinho não deu, gritei, chorei ninguém iria se incomodar, afinal, só havia mortos naquela sala, eu realmente me sentia um deles.
16 de março
O6h 15min.
 Placas de silencia na sala de espera me davam náusea. Pedro lia algo sobre gostosas num navio australiano numa revista bem fútil que havia sobre a mesinha. Eu nunca havia estado naquele lugar do hospital, lugar estava calmo, era segunda, perdi a aula, que bom odeio as aulas de químico do professor Getúlio, ele passa a aula se insinuando sexualmente pra meninas, venhamos e convenhamos, ele realmente é muito bem dotado, pelo menos aparentemente.
- Ele vai ficar bem!
 Acho que meus pensamentos soltos e estranhos me fizeram parecer preocupado, o que fez Pedro dizer:
- Ele já quebrou a perna outra vez. Mas... Foi por uma gostosinha na praia, transei com ela três vezes pra ela não pedir grana pelo concerto.
- Não se preocupe ninguém vai pedir grana...
Pedro era o típico idiota do grupo, falava sobre sexo o tempo todo, tinha um copo extremamente sexy e forte, mas parecia um garoto tarado de 14 anos, foi o que eu percebi no pouco tempo que tive com ele. Era alto, mas não fazia meu tipo. Ele me fazia quere socá-lo, bem que eu não sou de violência, eu ia perder certeza dele.
- Não quis dizer isso. – disse bem envergonhado.
- Eu sei. –ri.
- Tem muita gatinha aqui?
 Nem sabia o que dizer. Mas fiz que sim com a cabeça...
- Você já pegou alguma? – ele foi quase irônico.
- Já!
 Pedro ficou espantado, mas era a realidade. Eu já fiquei com a Dani, e por isso levei meu primeiro soco na cara.
- Cara eu pensei que você fosse... – se aproximou e disse baixinho. – Gay!
- Eu sou.
 Ele ficou tenso, mas, me mandou um sorriso que eu entendi como “Legal”. O melhor dele era ter um bom coração. Tentei procurar mamãe, mas ela não estava na sala, tenso...
O6h 16min.
 Em algum lugar no fim do corredor havia uma sala onde mamãe estava sentada vendo o drama que o acidentado fazia com a perna quebrada,mamãe ria, era estranho um homem daquele tamanho numa situação daquela.
- Oi doutor. – mamãe disse ao Dr. Marconde, único médico da cidade, ex- namorado da tia Sarah, e um grisalhinho bem sexy, eu pegava certeza.
- Oi! Você ta bem?
- Hurrun!
 Eles estavam numa sala afastada, mamãe tentava não parar a conversa pelos gritos desesperados de Gean, o cara que acabamos de atropelar.
- Tá doendo merda...
 Era quase cômico, alias, era cômico.
- Eu falei com a Sarah, sobre o que você disse, ela vem ver o senhor próxima semana. Ela ta muito abalada. Muito mesmo. É estranho ver ela assim. Ela é sempre tão...
- Feliz. – disse o médico meio deprimido.
- Oh! Marcon... Não quis dizer nada sobre aquilo eu juro...
- Sem problemas.
 Mamãe notou que o médico ainda tinha uma quedinha pela tia Sarah, algo estranho, já que ele que terminou, pra casar com sua colega de sala na faculdade de medicina Sandrinha Bate Bola, uma loira safada, que se prostitua escondida pra pagar a faculdade, Marcondes sofreu quando descobriu a segunda vida de sua namoradinha, mas teve sorte pois foi antes de se casarem, já tia Sarah... Digamos que ela já tava em outra. Ela havia ficado com carinha que trabalhava na farmácia, apenas por ele ser muito bem dotado, mas tia Sarah sempre teve fetiche por fardas e a da farda era pouco pra ela. Um dos motivos pra ela tentar a vida no Rio de Janeiro, foi fugir dos problemas na cidade natal. Ela havia transando com o padre, escândalo, vovó quase morria de desgosto, estava levando Sarah sempre pra missa e agora sabia o porquê do extremo interesse pela fé da filha.
 O padre sumiu com a esposa do juiz, que quase se matava por isso. Coisa de cidade pequena, sempre tem esse tipo de coisa, e todo mundo sabe depois. Enquanto isso Sandrinha Bate Bola teve que voltar pra casas dos pais, e hoje é enfermeira auxiliar do Dr. Marcondes, mas os dois nem se falam pelos problemas do passado turbulento. O mais intrigante é que um dos filhos de Sandrinha Bate Bola; ela tem quatro; é incrivelmente parecido com o Dr. Marcondes, caso que ela afirma ser falso, já que o menino Marcos, é filho de uma detenta lésbica chamada Caroço, que ela conheceu quando foi presa pela primeira vez por porte de drogas, ela diz que elas usavam vibradores comunitários na cadeia. Estranho, no mínimo nojento.
- Você vai quebrar minha perna! – disse Gean quase desmaiando.
- Se você não percebeu mocinho ela já está quebrada.
- Pois para com isso. Assim vai ter que amputar!
- Preciso por o osso no lugar. – disse Sandrinha.
- Socorro!
 O médico segurava o riso perante aquela situação tensa ridícula, mamãe não conseguiu:
- Agüenta firme ai rapaz! – soltou um risinho sínico após o término da frase.
- Ponto. – Sandrinha soltou a perna problemática com um extremo alívio.
- Jesus. – Gean ofegava.
- Não me bote pra curar boiolas outra vez Marcondes.
- DOUTOR Marcondes. Sandra.
- Ok! É Sandrinha mesmo!
 Sandrinha disse isso saindo pela porta rebolando, pobrezinha, acho que esqueceu que o corpo que tinha no passado não continua o mesmo. Abafa, ela ta acabada. E frustrada. Por isso que eu já decidi, não vou me apaixonar por cara em festas nem em filas, vou compra uma casa na praia e ter um cachorro chamado Jerônimo. Sempre é bom ter um plano B. Mamãe não tinha um segundo plano, então, quando o papai nos deixou num apartamento, mínino e sujo em Fortaleza, vovô decidiu dar a chácara pra ela. Mamãe não era uma pessoa realizada, não mesmo. Dava pra sentir isso de olhar pra ela.
 A vida dela se resumia no trabalho na rádio e eu, isso era chato, eu às vezes até me sentia mal por isso, mas foi uma escolha dela. Era estranho. Tia Sarah nunca foi a preferida das duas irmãs, mas porque nunca quis a vida que o vovô sonhou, casar e ter filhos, ela só queria ser feliz. Virou modelo de sucesso, e agora tinha uma renomada agência de modelos no Rio, mamãe não sentia inveja da irmã, apenas, remorso. Orgulhava-se da irmã e ficava triste ao perceber o que perdeu. Talvez eu fosse o prêmio de consolação.
 Gean tentava andar com a ajuda de mamãe até a sala de espera.
- Parece que quebraram minha perna de novo.
 Gean me olhava com um olhar diferente de Pedro, ele não parecia ser gay, mas... No mínimo tenso. Ficamos no carro um tempinho enquanto mamãe não saia do hospital.
- E ai carinha! – disse Gean após Pedro sussurrar em seu ouvido.
- Oi!
- Eu sou o Gean, prazer viu!
- O prazer é meu, Bob!
 Gean piscou o olho, e disse:
- Desculpa ai viu!
- Sem problema. Ah... Vocês podiam ir lá em casa qualquer dia, nós moramos num sitio próximo da cidade, mamãe vem aqui toda manhã e pode levar vocês.
- Claro!
- Legal!
 Pedro ficou calado enquanto olhava a movimentação em torno do carro.
- Só tem gente feia aqui.
 Eu e Gean rimos.
- Nem todos! – vi isso como uma indireta.
Aguçou meu ego, Gean era encantadoramente lindo, Meu Deus! Mamãe voltou, ligou o carro e fomos deixar os garotos no hotel, era perto da estrada que levava ao sitio, isso é bom. Chegamos rápido no lugar, era o melhor da cidade, bom saber que eles tinham poses, eu sou horrível.  Agradeceram, Gean piscou, me tremi completamente, nem retribui. Mamãe riu. Pedro tirou com dificuldades as bicicletas sobre o carro.
- Ele gostou de você.
-Mãe!
-Sério filho!
-Também achei!
 Dessa vez fomos conversando no carro, felizes, mamãe parecia feliz, pelo menos momentaneamente ela esqueceu o péssimo dia anterior. Chegamos em casa e mamãe sentou no sofá. Subi as escadas lentamente. Meu quarto, que bagunça.
16h 40min.
 Tia Sarah olhava a casa cheia de caixas, lembrou os bons momentos no velho casarão da família, uma vida inteira ali, vender a casa era o melhor a se fazer naquele momento. Mas era o mais doloroso também. A casa da avó era muito grande, não tinha um andar superior como a nossa, mas era bem grande horizontalmente, tinha uns seis quartos, vovô queria ter muitos filhos. Ele era militar, nasceu em Sobral, foi transferido de cidade quando tinha 21 anos, deixando pra trás o pai viúvo e 12 irmãos. Meu vô sempre ia visitar a família, mas depois que conheceu minha vó decidiu ficar em Guaramiranga, já vovó não tinha irmãos nem primos, sua família era do Sul, alguma cidade chamada Santa Maria, ela veio com o pai professor de história conhecer a região e se apaixonaram pelo lugar. Mamãe e Sarah costumavam visitar os parentes, mas a ultima vez que fomos foi há uns seis anos.
 A casa tinha um imenso jardim na entrada, um caminho de pedras levava até a porta de entrada pra sala onde havia muitas pinturas, fotos, livros e discos antigos. A biblioteca do vovô era a melhor da cidade tinha uns mil títulos, era bem antiga mas bem organizada e zelada, agora tudo seria doado ao museu da cidade e a biblioteca publica, algo que vovô sempre desejou, tanto meu vô quanto minha vó foram professores durante muitos anos de uma escola da cidade, o que lhes deram certa fama entre os moradores.
 Tia Sarah com certeza foi à pior aluna de vovô, ela sempre foi a mais bagunceira, mais tagarela, mais tudo. Agora ela via um retrato dela com vovô, os dois sorrindo e se abraçando na beira da piscina da chácara, algo bem diferente da realidade turbulenta que os dois sempre viveram. Pra ser sincero vovô quando morreu não falava com ela há quatro meses.
Alguém entrou pela porta aberta da frente.
- Oi Sarah!
- Marcondes.
 Sarah sentiu um friozinho na barriga que ela não sentia há muitos anos. Amor? Sei lá, mas era bom.
- Trouxe isso. – disse entregando alguns exames pra ela. – Sua irmã está doente...
- Meu Deus!
 Tia Sarah já havia conversado com mamãe sobre as suspeitas, começou a chorar, ela não queria perder a irmã também, o velho namorado a abraçou no que pareceu uma reconciliação tardia. Ela se sentiu melhor envolta daqueles braços que já lhe deram tantas felicidades anos atrás. Tia Sarah estava péssimo, mas o médico a deixou melhor, menos triste.
- Eu quero que você também faça esse exame.
- Tá!
- O tratamento não pode ser feito aqui, seria muita perda de tempo pra ela.
- Entendo!
- Fortaleza seria melhor pra ela. Ela não tem muitas alternativas. O que isso poderia significar? Enfim, ela chorou mais um pouco. O médico ia saindo quando disse:
- Eu ainda te amo...
16h 40min.
- Você viu como ele me olhou?
- Ele ta afim de você cara!
 Gean olhou Pedro que parecia ser sincero, lembrou do que havia deixado pra trás, sabia que talvez não fosse o mais certo a se fazer. Sabia que sua família não ia aprovar isso, Gean nunca quis decepcionar ninguém isso eu sei, mas, ele nunca tentou fazer com que suas atitudes não fizessem isso.
- O que você acha?
- Você sabe o que pode perder com isso cara!
 Pedro podia ser um retardado, mas estava certo. Gean me achou muito interessante, talvez isso fosse o bastante, talvez estivesse disposto a se encrencar pra poder ter essa nova experiência. Talvez eu fosse algo descartável. Mas...
- Estamos em outra cidade! Ninguém nunca vai saber de nada! Confio em você.
 Pedro não sabia o que fazer, mas ainda haveria duas semanas de campeonato de bike, e eles iriam ficar lá todo esse tempo. Quem sabe o Gean estivesse certo ninguém vai saber! É só uma aventura. Não era a primeira vez que o amigo arrumava algo exótico pra fazer. Pedro convivia bem com esse lado de testar novas coisas do amigo. Sempre foi assim. Desde a escola, eles moraram no mesmo prédio a vida inteira, estudaram juntos desde sempre, melhores amigos. Mas agora era diferente, porque ele tinha muita coisa a perder, pena que Gean era muito cabeça dura.
- Eu vou ficar com o carinha!
 Pedro riu, havia achado o carinha engraçado e sabia que eu podia apresentar alguma mulher legal pra ela, é homens trocam coisas super importantes por coisas meio... Menos importantes, como sexo, minha mãe sempre me disse isso, meu pai nos trocou por uma jovem garçonete quando foi comprar cigarro num dia chuvoso.
- Tô muito afim. – Gean fechou o olho e me viu.
- Você é pirado!
 16h 40min.
 Água.
 Eu adorava estar ali. Cercado dela, num mundo só meu, a piscina era meu esconderijo em casa, o meu lugar favorito, era um lugar extremamente agradável, era cercado por plantas, flores, era meio escuro e úmido, havia bancos, e as varandas dos quartos tinha uma bela visão dela, havia uma entrada pela casa que passava pela piscina, podia se entrar na cozinha, no escritório, e na sala secundaria, que mamãe mesma decorou, com coisas africanas e russas, nunca entendi direito, mas...
 Mamãe costuma almoçar lá nos domingos, mas já que domingo havia sido um dia tenso esse almoço havia sido transferido pra segunda. Decidi mamãe a chamar os meninos pra ficar o dia conosco amanhã algo que queria muito, principalmente pelo meu paquero favorito e único Gean.
 Gravei o numero do Gean no meu iphone era legal ele era um dos primeiros, alias, meu iphone tinha menos de 40 contatos, eu era um fracasso no que se diz respeito à popularidade, sempre odiei as multidões e lugares em que eu poderia chamar a atenção. Mas era ruim ser sozinho. Na minha cidade havia pouca gente, e os únicos gays pareciam prostitutas drogadas e defloradas por negros bem dotados, eram ridículos, eu não queria ser assim, preferia meu jeito discreto, na minha, me sentia bem assim.
Tia Sarah chegou pelo final da tarde. Foi com mamãe ao escritório. Ficaram lá um tempinho, depois mamãe se trancou no quarto, tia Sarah se encarregou do jantar, que parecia ótimo, mas alem de mim ninguém o provou, mamãe sentada na ponta da mesa olhou tia Sarah, ela estava com os olhos inchados, parecia mais branca que o comum, Sá também estava visivelmente abalada.
- Bob! – mamãe falou meu nome meio fracamente, assustada, assustando-me, tia Sarah arregalou a vista, mas não disse nada, nada, durante toda a conversa ficou calada, nos vendo.
- Oi!
- Eu...
 Fechei o olho, abri...
- Tô doente filho.
- Você precisa de algum remédio eu posso ligar pra pedir. – falei rápido tentando não entender.
- Não.
Sarah me olhou, o olho cheio de lágrima disse tudo.
- Sabe aquele exame que o médico me fez fazer da doença da vovó – nessa hora ela já não segurou mais as lagrimas sustentadas há alguns minutos. Eu já tinha entendido tudo.
- Hurrun...
- Eu tenho ela.
- Câncer?
- É!
 Procurei o que dizer, não existia palavras na minha mente. Lembrei do que a Dani havia me dito sobre o que ela sentiu quando os pais se separaram, mas isso com certeza devia ser pior. Levantei. Fui até mamãe, a beijei, a abracei, por algum tempo, nem lembro, mas sei que foi doloroso. Muito doloroso. Eu havia perdido o chão, não queria perder ela. Eu não podia perder ela. Perdi a coisa que eu mais amei na vida, e agora eu não tenho mais nada.
 Naquela noite não dormir, ouvi algumas musicas, chorei e pude lembrar o quão bom era ter uma mãe. Um lar. Ter amor.

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