27 de novembro
2h 15min.
Eu estava num
corredor assustadoramente branco, onde só havia placas de silêncio e bancos
brancos e aparentemente impecavelmente limpos, Alana pôs a mão no meu ombro,
tentando me dar uma força que talvez nem ela tivesse naquele momento, tão
delicado. Uma enfermeira loirinha nos guiou até uma sala:
- Quer que eu entre?-
Alana falou, mas eu sabia que nós dois sabíamos que a resposta era não.
- Não...
Alana soltou minha
mãe, pude sentir o sangue correr de novo, ela realmente estava tensa, enquanto
eu sentia uma dor no peito que parecia sugar todas minhas poucas energias. Acho
que nem deu pra ouvir o que eu acabei de dizer, entrei. Segui a enfermeira pela
sala escura, mesmo com algumas lâmpadas fracas acesas, tentei não olhar muito
pros lados até que ela chegou numa maca central, pegou o pano que cobria o
corpo, nos filmes parecia bem menos doloroso, era minha mãe, ela estava morta,
coberta por um pano de hospital imundo, que ódio, por o senhor fez isso em
Jesus? Minha mãe já sofreu tanto...
Era ela... Meu Deus.
- Mãezinha...
Tentei tocá-la, não deu. A enfermeira saiu,
ela quase chorava também, uma lagrima desceu, logos outras milhares a seguiram
em direção ao desespero eminente em que eu me encontrava. O rostinho macio e
lindo dela estava branco, quase roxo, morto. Nem parecia que ela tinha sangue.
Eu nunca vou esquecer isso. Tentei me sentar em alguma cadeira, o chão era o
que me restava.
- Mãe...
Tentei gritar baixinho não deu, gritei, chorei
ninguém iria se incomodar, afinal, só havia mortos naquela sala, eu realmente
me sentia um deles.
16
de março
O6h
15min.
Placas
de silencia na sala de espera me davam náusea. Pedro lia algo sobre gostosas
num navio australiano numa revista bem fútil que havia sobre a mesinha. Eu
nunca havia estado naquele lugar do hospital, lugar estava calmo, era segunda,
perdi a aula, que bom odeio as aulas de químico do professor Getúlio, ele passa
a aula se insinuando sexualmente pra meninas, venhamos e convenhamos, ele
realmente é muito bem dotado, pelo menos aparentemente.
- Ele vai ficar bem!
Acho que meus pensamentos soltos e estranhos
me fizeram parecer preocupado, o que fez Pedro dizer:
- Ele já quebrou a
perna outra vez. Mas... Foi por uma gostosinha na praia, transei com ela três
vezes pra ela não pedir grana pelo concerto.
- Não se preocupe
ninguém vai pedir grana...
Pedro era o típico
idiota do grupo, falava sobre sexo o tempo todo, tinha um copo extremamente
sexy e forte, mas parecia um garoto tarado de 14 anos, foi o que eu percebi no
pouco tempo que tive com ele. Era alto, mas não fazia meu tipo. Ele me fazia
quere socá-lo, bem que eu não sou de violência, eu ia perder certeza dele.
- Não quis dizer
isso. – disse bem envergonhado.
- Eu sei. –ri.
- Tem muita gatinha
aqui?
Nem sabia o que dizer. Mas fiz que sim com a
cabeça...
- Você já pegou
alguma? – ele foi quase irônico.
- Já!
Pedro ficou espantado, mas era a realidade. Eu
já fiquei com a Dani, e por isso levei meu primeiro soco na cara.
- Cara eu pensei que
você fosse... – se aproximou e disse baixinho. – Gay!
- Eu sou.
Ele ficou tenso, mas, me mandou um sorriso que
eu entendi como “Legal”. O melhor dele era ter um bom coração. Tentei procurar
mamãe, mas ela não estava na sala, tenso...
O6h
16min.
Em algum lugar no fim do corredor havia uma
sala onde mamãe estava sentada vendo o drama que o acidentado fazia com a perna
quebrada,mamãe ria, era estranho um homem daquele tamanho numa situação
daquela.
- Oi doutor. – mamãe
disse ao Dr. Marconde, único médico da cidade, ex- namorado da tia Sarah, e um
grisalhinho bem sexy, eu pegava certeza.
- Oi! Você ta bem?
- Hurrun!
Eles estavam numa sala afastada, mamãe tentava
não parar a conversa pelos gritos desesperados de Gean, o cara que acabamos de
atropelar.
- Tá doendo merda...
Era quase cômico, alias, era cômico.
- Eu falei com a
Sarah, sobre o que você disse, ela vem ver o senhor próxima semana. Ela ta
muito abalada. Muito mesmo. É estranho ver ela assim. Ela é sempre tão...
- Feliz. – disse o
médico meio deprimido.
- Oh! Marcon... Não
quis dizer nada sobre aquilo eu juro...
- Sem problemas.
Mamãe notou que o médico ainda tinha uma
quedinha pela tia Sarah, algo estranho, já que ele que terminou, pra casar com
sua colega de sala na faculdade de medicina Sandrinha Bate Bola, uma loira
safada, que se prostitua escondida pra pagar a faculdade, Marcondes sofreu
quando descobriu a segunda vida de sua namoradinha, mas teve sorte pois foi
antes de se casarem, já tia Sarah... Digamos que ela já tava em outra. Ela
havia ficado com carinha que trabalhava na farmácia, apenas por ele ser muito
bem dotado, mas tia Sarah sempre teve fetiche por fardas e a da farda era pouco
pra ela. Um dos motivos pra ela tentar a vida no Rio de Janeiro, foi fugir dos
problemas na cidade natal. Ela havia transando com o padre, escândalo, vovó
quase morria de desgosto, estava levando Sarah sempre pra missa e agora sabia o
porquê do extremo interesse pela fé da filha.
O padre sumiu com a esposa do juiz, que quase
se matava por isso. Coisa de cidade pequena, sempre tem esse tipo de coisa, e
todo mundo sabe depois. Enquanto isso Sandrinha Bate Bola teve que voltar pra
casas dos pais, e hoje é enfermeira auxiliar do Dr. Marcondes, mas os dois nem
se falam pelos problemas do passado turbulento. O mais intrigante é que um dos
filhos de Sandrinha Bate Bola; ela tem quatro; é incrivelmente parecido com o
Dr. Marcondes, caso que ela afirma ser falso, já que o menino Marcos, é filho
de uma detenta lésbica chamada Caroço, que ela conheceu quando foi presa pela
primeira vez por porte de drogas, ela diz que elas usavam vibradores
comunitários na cadeia. Estranho, no mínimo nojento.
- Você vai quebrar
minha perna! – disse Gean quase desmaiando.
- Se você não
percebeu mocinho ela já está quebrada.
- Pois para com
isso. Assim vai ter que amputar!
- Preciso por o osso
no lugar. – disse Sandrinha.
- Socorro!
O médico segurava o riso perante aquela
situação tensa ridícula, mamãe não conseguiu:
- Agüenta firme ai
rapaz! – soltou um risinho sínico após o término da frase.
- Ponto. – Sandrinha
soltou a perna problemática com um extremo alívio.
- Jesus. – Gean
ofegava.
- Não me bote pra
curar boiolas outra vez Marcondes.
- DOUTOR Marcondes.
Sandra.
- Ok! É Sandrinha
mesmo!
Sandrinha disse isso saindo pela porta
rebolando, pobrezinha, acho que esqueceu que o corpo que tinha no passado não
continua o mesmo. Abafa, ela ta acabada. E frustrada. Por isso que eu já decidi,
não vou me apaixonar por cara em festas nem em filas, vou compra uma casa na
praia e ter um cachorro chamado Jerônimo. Sempre é bom ter um plano B. Mamãe
não tinha um segundo plano, então, quando o papai nos deixou num apartamento,
mínino e sujo em Fortaleza, vovô decidiu dar a chácara pra ela. Mamãe não era
uma pessoa realizada, não mesmo. Dava pra sentir isso de olhar pra ela.
A vida dela se resumia no trabalho na rádio e
eu, isso era chato, eu às vezes até me sentia mal por isso, mas foi uma escolha
dela. Era estranho. Tia Sarah nunca foi a preferida das duas irmãs, mas porque
nunca quis a vida que o vovô sonhou, casar e ter filhos, ela só queria ser
feliz. Virou modelo de sucesso, e agora tinha uma renomada agência de modelos
no Rio, mamãe não sentia inveja da irmã, apenas, remorso. Orgulhava-se da irmã
e ficava triste ao perceber o que perdeu. Talvez eu fosse o prêmio de consolação.
Gean tentava andar com a ajuda de mamãe até a
sala de espera.
- Parece que
quebraram minha perna de novo.
Gean me olhava com um olhar diferente de
Pedro, ele não parecia ser gay, mas... No mínimo tenso. Ficamos no carro um
tempinho enquanto mamãe não saia do hospital.
- E ai carinha! –
disse Gean após Pedro sussurrar em seu ouvido.
- Oi!
- Eu sou o Gean,
prazer viu!
- O prazer é meu,
Bob!
Gean piscou o olho, e disse:
- Desculpa ai viu!
- Sem problema.
Ah... Vocês podiam ir lá em casa qualquer dia, nós moramos num sitio próximo da
cidade, mamãe vem aqui toda manhã e pode levar vocês.
- Claro!
- Legal!
Pedro ficou calado enquanto olhava a
movimentação em torno do carro.
- Só tem gente feia
aqui.
Eu e Gean rimos.
- Nem todos! – vi
isso como uma indireta.
Aguçou meu ego, Gean era encantadoramente lindo,
Meu Deus! Mamãe voltou, ligou o carro e fomos deixar os garotos no hotel, era
perto da estrada que levava ao sitio, isso é bom. Chegamos rápido no lugar, era
o melhor da cidade, bom saber que eles tinham poses, eu sou horrível. Agradeceram, Gean piscou, me tremi
completamente, nem retribui. Mamãe riu. Pedro tirou com dificuldades as
bicicletas sobre o carro.
- Ele gostou de
você.
-Mãe!
-Sério filho!
-Também achei!
Dessa vez fomos conversando no carro, felizes,
mamãe parecia feliz, pelo menos momentaneamente ela esqueceu o péssimo dia
anterior. Chegamos em casa e mamãe sentou no sofá. Subi as escadas lentamente.
Meu quarto, que bagunça.
16h
40min.
Tia Sarah olhava a casa cheia de caixas,
lembrou os bons momentos no velho casarão da família, uma vida inteira ali,
vender a casa era o melhor a se fazer naquele momento. Mas era o mais doloroso
também. A casa da avó era muito grande, não tinha um andar superior como a
nossa, mas era bem grande horizontalmente, tinha uns seis quartos, vovô queria
ter muitos filhos. Ele era militar, nasceu em Sobral, foi transferido de cidade
quando tinha 21 anos, deixando pra trás o pai viúvo e 12 irmãos. Meu vô sempre
ia visitar a família, mas depois que conheceu minha vó decidiu ficar em
Guaramiranga, já vovó não tinha irmãos nem primos, sua família era do Sul,
alguma cidade chamada Santa Maria, ela veio com o pai professor de história
conhecer a região e se apaixonaram pelo lugar. Mamãe e Sarah costumavam visitar
os parentes, mas a ultima vez que fomos foi há uns seis anos.
A casa tinha um imenso jardim na entrada, um
caminho de pedras levava até a porta de entrada pra sala onde havia muitas
pinturas, fotos, livros e discos antigos. A biblioteca do vovô era a melhor da
cidade tinha uns mil títulos, era bem antiga mas bem organizada e zelada, agora
tudo seria doado ao museu da cidade e a biblioteca publica, algo que vovô
sempre desejou, tanto meu vô quanto minha vó foram professores durante muitos
anos de uma escola da cidade, o que lhes deram certa fama entre os moradores.
Tia Sarah com certeza foi à pior aluna de
vovô, ela sempre foi a mais bagunceira, mais tagarela, mais tudo. Agora ela via
um retrato dela com vovô, os dois sorrindo e se abraçando na beira da piscina da
chácara, algo bem diferente da realidade turbulenta que os dois sempre viveram.
Pra ser sincero vovô quando morreu não falava com ela há quatro meses.
Alguém entrou pela
porta aberta da frente.
- Oi Sarah!
- Marcondes.
Sarah sentiu um friozinho na barriga que ela
não sentia há muitos anos. Amor? Sei lá, mas era bom.
- Trouxe isso. –
disse entregando alguns exames pra ela. – Sua irmã está doente...
- Meu Deus!
Tia Sarah já havia conversado com mamãe sobre
as suspeitas, começou a chorar, ela não queria perder a irmã também, o velho
namorado a abraçou no que pareceu uma reconciliação tardia. Ela se sentiu
melhor envolta daqueles braços que já lhe deram tantas felicidades anos atrás.
Tia Sarah estava péssimo, mas o médico a deixou melhor, menos triste.
- Eu quero que você
também faça esse exame.
- Tá!
- O tratamento não
pode ser feito aqui, seria muita perda de tempo pra ela.
- Entendo!
- Fortaleza seria
melhor pra ela. Ela não tem muitas alternativas. O que isso poderia significar?
Enfim, ela chorou mais um pouco. O médico ia saindo quando disse:
- Eu ainda te amo...
16h
40min.
- Você viu como ele
me olhou?
- Ele ta afim de
você cara!
Gean olhou Pedro que parecia ser sincero,
lembrou do que havia deixado pra trás, sabia que talvez não fosse o mais certo
a se fazer. Sabia que sua família não ia aprovar isso, Gean nunca quis
decepcionar ninguém isso eu sei, mas, ele nunca tentou fazer com que suas
atitudes não fizessem isso.
- O que você acha?
- Você sabe o que
pode perder com isso cara!
Pedro podia ser um retardado, mas estava
certo. Gean me achou muito interessante, talvez isso fosse o bastante, talvez estivesse
disposto a se encrencar pra poder ter essa nova experiência. Talvez eu fosse
algo descartável. Mas...
- Estamos em outra
cidade! Ninguém nunca vai saber de nada! Confio em você.
Pedro não sabia o que fazer, mas ainda haveria
duas semanas de campeonato de bike, e
eles iriam ficar lá todo esse tempo. Quem sabe o Gean estivesse certo ninguém
vai saber! É só uma aventura. Não era a primeira vez que o amigo arrumava algo
exótico pra fazer. Pedro convivia bem com esse lado de testar novas coisas do
amigo. Sempre foi assim. Desde a escola, eles moraram no mesmo prédio a vida
inteira, estudaram juntos desde sempre, melhores amigos. Mas agora era
diferente, porque ele tinha muita coisa a perder, pena que Gean era muito
cabeça dura.
- Eu vou ficar com o
carinha!
Pedro riu, havia achado o carinha engraçado e
sabia que eu podia apresentar alguma mulher legal pra ela, é homens trocam
coisas super importantes por coisas meio... Menos importantes, como sexo, minha
mãe sempre me disse isso, meu pai nos trocou por uma jovem garçonete quando foi
comprar cigarro num dia chuvoso.
- Tô muito afim. –
Gean fechou o olho e me viu.
- Você é pirado!
16h 40min.
Água.
Eu adorava estar ali. Cercado dela, num mundo
só meu, a piscina era meu esconderijo em casa, o meu lugar favorito, era um
lugar extremamente agradável, era cercado por plantas, flores, era meio escuro
e úmido, havia bancos, e as varandas dos quartos tinha uma bela visão dela,
havia uma entrada pela casa que passava pela piscina, podia se entrar na
cozinha, no escritório, e na sala secundaria, que mamãe mesma decorou, com
coisas africanas e russas, nunca entendi direito, mas...
Mamãe costuma almoçar lá nos domingos, mas já
que domingo havia sido um dia tenso esse almoço havia sido transferido pra
segunda. Decidi mamãe a chamar os meninos pra ficar o dia conosco amanhã algo
que queria muito, principalmente pelo meu paquero favorito e único Gean.
Gravei o numero do Gean no meu iphone era legal ele era um dos
primeiros, alias, meu iphone tinha
menos de 40 contatos, eu era um fracasso no que se diz respeito à popularidade,
sempre odiei as multidões e lugares em que eu poderia chamar a atenção. Mas era
ruim ser sozinho. Na minha cidade havia pouca gente, e os únicos gays pareciam
prostitutas drogadas e defloradas por negros bem dotados, eram ridículos, eu
não queria ser assim, preferia meu jeito discreto, na minha, me sentia bem assim.
Tia Sarah chegou
pelo final da tarde. Foi com mamãe ao escritório. Ficaram lá um tempinho,
depois mamãe se trancou no quarto, tia Sarah se encarregou do jantar, que
parecia ótimo, mas alem de mim ninguém o provou, mamãe sentada na ponta da mesa
olhou tia Sarah, ela estava com os olhos inchados, parecia mais branca que o
comum, Sá também estava visivelmente abalada.
- Bob! – mamãe falou
meu nome meio fracamente, assustada, assustando-me, tia Sarah arregalou a
vista, mas não disse nada, nada, durante toda a conversa ficou calada, nos
vendo.
- Oi!
- Eu...
Fechei o olho, abri...
- Tô doente filho.
- Você precisa de
algum remédio eu posso ligar pra pedir. – falei rápido tentando não entender.
- Não.
Sarah me olhou, o
olho cheio de lágrima disse tudo.
- Sabe aquele exame
que o médico me fez fazer da doença da vovó – nessa hora ela já não segurou
mais as lagrimas sustentadas há alguns minutos. Eu já tinha entendido tudo.
- Hurrun...
- Eu tenho ela.
- Câncer?
- É!
Procurei o que dizer, não existia palavras na
minha mente. Lembrei do que a Dani havia me dito sobre o que ela sentiu quando
os pais se separaram, mas isso com certeza devia ser pior. Levantei. Fui até
mamãe, a beijei, a abracei, por algum tempo, nem lembro, mas sei que foi
doloroso. Muito doloroso. Eu havia perdido o chão, não queria perder ela. Eu
não podia perder ela. Perdi a coisa que eu mais amei na vida, e agora eu não
tenho mais nada.
Naquela noite não dormir, ouvi algumas
musicas, chorei e pude lembrar o quão bom era ter uma mãe. Um lar. Ter amor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário