21 de dezembro de 2010

seis


1 de março
12h
 Cheguei da escola na segunda na expectativa de encontrar tia Sarah já em casa, mamãe me deixou na porta da chácara e voltou pra rádio. O dia estava nublado, eu teria que estudar pra prova de química amanhã, por isso chamei a Dani, uma colega minha pra estudar comigo, ela iria vir no fim da tarde, o irmão dela nunca gostou de mim, mas...
 Desde o primeiro ano o cara me atormenta quando ele saiu da escola foi um alívio, pena que ele continua na cidade, coisa que vai mudar já que o pai deles conseguiu um voltar a um antigo emprego que tinha em Fortaleza, na verdade eles são de Recife, mas sempre viveram em Fortaleza, até o pai vir pra Guaramiranga, pouco tempo depois eu os conheci, Dani sempre foi muito doce, nesse ano ela mudou completamente, os belos cabelos loiros grandes e torneados, deram lugar a um corte bem curtinho, que mal chegava no queixo, eu a considerava a mais bonita da cidade, o irmão também, David, tinha um rosto encantadoramente lindo, o que deixava sua maldade mais cruel, ele tinha uma cara de ano que não acomodava tanta maldade.
 Tia Sarah chegou umas duas horas da tarde, mamãe a trouxe emocionada, vovó que não via a filha há uns três anos, não pode segurar a emoção, todos precisavam de um pouco de emoção, ela trouxe um monte de roupa, perfumes e um presente que me deixou entusiasmadíssimo, um iphone, novinho, cheirinho de novo, além de um notebook vaio azul, era muito lindo, eu abandonei o velho PC durão, e com monitor gordo pra sempre agora.
 Minha tia trabalhava com moda e isso era bom, já que não tinha filhos todas às regalias sobrava pra mim, isso era muito massa, roupas caras, tênis caros, tudo caro, coisas que ela ganhava de graça ou comprava em suas viagens pelo país e pelo mundo. Além de usar roupas muito perfeitas tia Sarah parecia uma modelo ainda, mesmo depois de abandonar a velha profissão, cabelos loiros curtos, mas maiores que o da Dani, com algumas mechas morenas a diferenciava mais ainda da mamãe, que com o tempo deu um engordada, não muito, mas o necessário pra ganhar alguns números na balança.
 Tomamos o café da tarde, fofocamos, mamãe lembrou-se de Marcondes:
- Ele continua muito charmoso. – disse mamãe morta de empolgada.
- Nem me fale, próximo assunto gente...
 Fiquei esperando Dani na varanda, nem um pouco atrasada ela chegou com o irmão me olhando torto, nem dei bola, a beijei na bochecha, subimos e fomos pro meu quarto, o que ela não sabe é que eu sou gay, por isso que ela continuava gostando de mim, pelo menos foi o que uma amiga dela me disse, que amiga, e o que aparenta.
 Estudamos, ela me olhava às vezes esperando algo mais que um sorrisinho meia boca, percorria minhas mão escrevendo, meus lábios enquanto eu falava, a verdade é que aquilo me assustava, ela era linda, mas só isso, eu não sentia nada por ela. Eu sinceramente nem sabia o que dizer.
 Ficou tarde descemos, as escadas, passamos pela sala, todos se despediram, saímos e pude ouvir como um ruído:
- Pena que o irmão é um perturbado.
 Chegamos a varanda, o som dos sapos e grilos, cri, cri, cri, ela me olhava diferente:
- Dani... – quis quebrar o gelo.
- Bob?
- Seu irmão me odeia né. – porque eu sempre falo nele?
- Ele é difícil, não é só com você.
Cri, cri, cri.
- Mas eu gosto de você.
- Eu sei. – disse sorrindo.
 Estávamos sentados na varanda, ele se aproximou e me beijou, Dani era corajosa, mas isso me assustava, pude ouvir o som do carro se aproximar. Tentei alertar...
- Da...ni...
 Ela não me ouviu. David parou o carro e saiu dele descaradamente desesperado, começou a gritar:
- Solta ele...
- David.
 Pegou Dani pelo braço firmemente e pôs no carro. Ela ficou calada, minha mãe saiu de casa:
- O que tá acontecendo.
- Ela me beijou. – disse aterrorizado.
 Davis acelerou e logo sumiu pela escuridão.
- Ele é um louco, esse menino precisa aprender a viver.
 Eu sempre achei que ele só precisava ser ouvido, tinha pena dele, e as vezes eu gostava dele, nem sei porque. Eu sou um burro, nem todo mundo pode mudar, porque nem todo mundo quer mudar.
2 de março
11h
 Parece que o pesadelo nunca vai passar, eu esperava mamãe na frente da escola, Dani apareceu.
- Oi Bob.
- Oi Dani.
 Envergonhada Dani ficou na minha frente meio calada.
- Desculpa por ontem.
 David chegou buzinando, saiu do carro, Dani foi em sua direção.
- O que você tá falando com esse gayzinho heim? - David estava descontrolado.
- Ele é meu amigo!
- Você ficou com ele, um viado sua idiota. Eu vi.
 David chegou a mim, me deu um saco, caí.
- Seu idiota! - Dani tentou afastar David, mas ele deu um tapa nela, eu levantei tentei algo.
 - Eu to sangrando. Socorro! 
 Dani estava sangrando pela cabeça. David me soltou. Olhou pra irmã caída no chão, todos fomos pro hospital, minha mãe chegou desesperada:
- Seu vagabundo, ridículo...
 Ela gritava com David que permaneceu sentado de cabeça baixa.
- Mãe passou.
- Não passou nada, Bob, chega.
-Mãe.
  Aproximei-me dele.
- Sim David, eu sou gay, muito orgulho disse, não tenho vergonha disso, não tenho vergonha de quem eu sou você que precisa aprender alguma coisa aqui, você afasta todo mundo de você cara, isso só e ruim pra você.
- Você não me conhece.
- Conheço o bastante pra saber que... – falei baixinho. – Você gosta de mim.
- Você é louco.
- Não, você é louco.
 Sai e ele ficou lá, olhando pro nada, esperando Dani, que não falou mais com ele. Os pais lhe deram um castigo, coisa boba, nada suficiente para parar a fúria do menino, eu nem sabia se ele gostava de mim, talvez não, arrisquei, e deu certo.
25 de março
19h 46min.
 Alguém chamou a policia, em poucos minutos todos estávamos na delegacia da cidade, David e Gean de frente um pro outro com os olhos roxos, foi até engraçada a cena. Mamãe chegou quase louca, tia Sarah nem aparecer assim como Pedro, que provavelmente estavam transando em algum pinto da cidade.
- O que tá acontecendo aqui delegado? - mamãe parecia e estava histérica.
- Os dois jovens foram encontrados se matando pela rua. - disse o delegado meio tenso, gaguejando, e com uma voz impressionantemente engraçada. Quase ri.
- Eu vou matar vocês dois!
 Gean tentava se acalmar. Abraçava-me, mas num conseguia parar quieto. Eu tentava ver os machucados, mas não deu.
- Eu já liguei pro meu advogado, pode ir embora meu bem.
- Eu não vou te deixar sozinho. - eu não vou abandonar ele logo agora. - Mãe vai dormir eu fico aqui. O Pedro vai me deixar mais tarde.
- Não vou deixar você nesse lugar assim. – disse mamãe.
- Meu advogado vai chegar pela manhã, pode ir.
- Não vai precisar rapaz! - disse o delegado voltando da sala onde David estava com a família. - Eles não vão prestar queixa.
 Todos ficaram surpresos. Saímos. Entramos no carro. Gean pôde dormir na minha casa.
- Eu acho que eu te amo carinha.
 Gean me surpreendeu enquanto eu limpava os ferimentos, sentei no colo dele, o beijei, mamãe chegou:
- Gente eu trouxe esse remédio aqui. – disse meio envergonhada. – Cicatriza melhor.
 Deixou o remédio sobre a mesa.
- Você pode morar comigo, a gente pode ficar junto mesmo.
 Levantei:
- Não posso.
- Por quê? Cê vai poder ver sua mãe sempre.
- Não vamos pra lá só pra morar G.
- Como assim?
- Minha mãe tá com câncer.
 Ele não soube o que dizer, eu comecei a chorar, Gean se levantou tirou o algodão ensangüentado da minha mão e me abraçou:
- Eu vou te ajudar.
- Brigado.
 Fomos dormir juntos, nada de sexo, mas foi maravilhoso,é muito bom ficar agarradinho com você gosta, foi uma das melhores noites da minha vida.
19h
 Sarah foi deixar mamãe no sítio:
- Vou à casa da mamãe pegar minha ultimas roupas esqueci oh.
- Deixa pra amanhã.
- Não...
 No meio da estrada o carro para e alguém entra, tia Sarah estaciona o carro atrás da igreja e os dói começam o amasso, era Pedro, que depois de passar todo o jantar alisando as pernas de Sarah conseguiu o que queria, nem tudo, aliás,  Marcondes que estava indo pra casa viu de longe o carro da ex namorada e se aproximou, ao chegar perto e vê o que esta rolando fica doidinho.
- Sarah. – o médico quase quebra a janela do carro enquanto bate nela em busca de respostas.
Sarah abaixa o vidro lentamente, envergonhada:
- Marcondes o que você tá fazendo aqui?
- Ah cara deixa de encher o saco da moça. –diz Pedro que já estava com a camisinha na mão.
 Sarah sai do carro.
- A gente não tem nada Marco, não tenho explicações a te dar. – diz tremendo desde a mão a própria voz.
- Eu te amo.
- Você mentiu pra mim.
- Que?
- Você tem um filho com a Sandrinha.
- Não.
- Chega de mentiras.
 Minha tia entrou no carro, saiu:
- Vou te deixar em casa Pedro.
- Eu posso te acalmar.
- Não quero, desculpa gostoso.
- Ok.
 Ela volta pra casa, hora de chorar.
 26 de março
9h.
 Havia folhas na piscina. A velha árvore estava perdendo sua cor usual. Gean ficou me olhando nadar por um tempo. O tempo nublado deixava o ar mais frio, Gean foi embora, fiquei arrumando as malas, roupas, tênis, carregadores, notebook, iphone, celular, filmes, CDs, jogos, TV, Xbox, tudo. A casa havia se tornado um mar de caixas marrons, poucas coisas restavam, Tia Sarah meio abatida pela noite anterior, estava toda inchada e cheia de olheiras. Mamãe firme e forte arrumando a casa.
 Os caminhos chegaram ao fim da tarde, mamãe se despediu da casa cômodo por cômodo, a casa estava cinza e triste, assim como mamãe que veio chorando, Gean me abraçou, me confortou, ele sabia me fazer me sentir bem, , as janelas foram fechadas, as portas trancadas, Gean e Pedro saíram na frente em direção ao hotel, mamãe entrou no carro, todos entramos:
- Vida nova. – tia Sarah tentando animá-la.
- A gente volta.
- Não sei filho.
 Gean decidiu conosco, Pedro só iria no domingo, dia que iria acabar o campeonato, coisa que ele perdeu há muito tempo, mas, ele trabalhava pra um dos patrocinadores, o que o prendia até o fim da competição. O caminho era longo, mamãe só teria essa chance, seria o melhor a se fazer.

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