18 de dezembro de 2010

quatro


27 de novembro
2h 47min.
 Corri por alguns quarteirões quase caindo em alguns deles, as ruas vazias, a chuva bem mais calma me deixava em paz, o frio não me incomodava mais, cheguei. Os prédios pareciam estar caindo. Os poucos carros estacionados, estavam cobertas pela água serena. Meu celular tocava, nem vi quem era. Tirei o capuz e vi o prédio do Gean, já estava quase lá.
 A janela do quarto dele estava aberta, pude ver a luz acessa, entrei e falei com o seu Fred, porteiro, ele sabia que eu e Gean tínhamos algo, isso sempre ajuda, eu disse que ia fazer uma surpresa. O elevador demorou, devia estar na cobertura. O frio sumiu num instante. Peguei a chave armário de limpeza abaixo da portinha pra escada. Entrei.
 A casa bagunçada como sempre, mas dessa vez pelo menos havia a desculpa de Gean de voltado há pouco tempo pra lá, A mesa cheia de comida e perfumes. O sofá com uma toalha molhada e um cheiro de homem adorável. A bancada da cozinha permanecia suja, como da ultima vez que fui lá. A geladeira estava quase abrindo, fechei. Cervejas no chão. Vidrinhos verdes coloriam a escuridão no corredor.
 Pude ouvir a TV ligada, estranho já que ele não dormia com barulho, Pedro devia estar na balada ou em algum motel com uma loirinha sacana. Fui ao quarto de Gean, a cama bagunçada, mas nada. O chuveiro funcionava. Pensei que ele podia estar com alguém. Mas não. Ele não faria isso. Pelo menos não agora. Tão rápido.
 O chuveiro fechou. Ele apareceu nu. Olhou-me um tempo, parecia não acreditar, nem se importou em tapar o que estava belamente amostra, eu fiquei parado sentado na cama bagunçado. Pegou a toalha e se cobriu. Eu nem sabia o que dizer, nem porque estava lá:
- A Alana me ligou, eu estava indo pra sua casa agora.
 Limpou o nariz, o olho de Gean estava estranhamente sem vida. Algo bem tenso. Ele comumente respirava juventude e vivacidade. Me puxou pelo braço e me abraçou, começamos a chorar.
2h 44min.
Alana entrou na casa surdamente, foi em direção a luz vinda do meu quarto.
- Oi Ju!
- Oi Lan Lan. – disse a garota sorrindo tristemente segurando um boneco velho do Homem Aranha. – Eu já liguei mil vezes pra ele e nada.
 Ju estava intacta mexendo em alguns bonecos que estavam bagunçados ao lado da televisão. O quarto estava sem vida, sem som, sem eu. A casa estava morta. Ju percebeu que eu havia deixado cair algum papel no chão, mas ia esperar Alana sair pra olhá-lo.
- Eu também.
- Ele estava bem?
- Não!
- O Gean ligou e disse que ia chegar daqui a pouco.
- Ah...
- Relaxa! O Bob não teria coragem de fazer algo louco...
- Algo louco? Como assim?
 Ju permaneceu calada, acho que falou demais.
- Tipo o quê? O que você sabe Ju?
- Tipo... Se matar.
3h 07min.
- Alana?
 Ju olhava pra Alana que chorava deitada no sofá.
- Que foi amor?
- O Gean não poder vir. Parece que o Pedro se meteu em encrenca, eu disse que não tem problema.
- Ele sempre foge das coisas né?!
- O Bob nem ta aqui mesmo.
- Mas vai vir.
- Não Alana, ele não vai vir. E, eu acho bem mais sensato você ir pra casa dormir.
- Eu vou ficar e esperar ele. – Alana disse quase que possessivamente.
 Ju não queria discutir, ela sabia o que estava rolando, tinha tudo sobe controle, Alana só perderia seu tempo lá.
- Eu vou em casa depois volto, ok? – Ju disse saindo.
- Ok!
17 de março
21h.
- Eu lembro porque vim Sophie, e eu não vou voltar sem isso.
- Eu sei, mas eu não posso te ajudar. É o fim.
- Não, você pode ficar bem.
- Não!
- Eu vou pagar o melhor tratamento!
- Eu não me preocupo com isso eu só quero que ele seja feliz.
- Eu posso levá-lo pro Rio.
- Se ele quiser. Mas eu vou ser enterrada aqui. Do lado da mamãe.
- Você é muito negativa.
- Eu só quero ir e deixá-lo bem.
- Eu cuido dele.
 As duas falavam baixinho na cozinha, era impossível eu ouvir, mas é sempre bom evitar conflitos.
- Eu tenho plano Sarah, e se ele der certo, vai ficar bom pra todo mundo.
- Ele...?
- Não quero que ele me veja como uma fraca.
- Você é uma fraca?
- Eu só estou cansada.
21h.
 Gean me olhava vendo o prédio antigo.
- Eu queria mesmo ficar com você. Sério.
- Hurrun... – disse baixinho.
 Gean tentou me abraçar, beijou meu pescoço.
- Aqui não G.
- Tá certo.
  Nós estávamos andando pelas ruas desertas e serenas da cidade, Gean andava com dificuldade, mas ajudava ele. A lua baixa, o friozinho rotineiro, as pessoas passavam raramente, quem nos via comentava baixinho algo a pessoa do lado, olhares de desaprovação, Gean nem olhava. Ele era bem simples, mais sua simplicidade só o deixava mais lindo. 
- Quero te levar num lugar.
- Vamos. – disse sorrindo e me olhando fixamente.
 Ele me deixava seguro, talvez ele não fosse tão seguro, mas era bem firme, isso me dava medo. Seguimos até o fim da rua, viramos na esquina, passamos pela praça, passaram-se alguns quarteirões.  Chegamos a rua escura, as luzes apagadas, as portas fechados, a rua vaga. Chegamos lá. A casa da vovó parecia abandonada, as árvores velhas não permitiam uma visão do telhado, a escuridão da noite ajudava a esconder as flores e plantas que dormiam.
 Gean ficou maravilhado com o jardim largo e sem fim e o casarão no fim da estradinha verde. Entramos, eu andava com uma chave da casa no meu chaveiro de lanterna, Gean ficou vendo o lago.
- Quem mora aqui?
- Ninguém.
- Como assim?
- Minha vó morreu, ela morava aqui.
- Ah... Quando?
- No dia que eu te conheci.
 Gean me olhou meio triste, ficou meio pasmo, não disse nada, abraçou, beijou minha testa, eu me agarrei nos braços daquele homem maravilhoso na minha frente. Ele me beijou, fomos ficar no banquinho perto do lago.
- Eu gostei muito de te conhecer.
- Eu também. Muito.
 Ficamos lá um tempinho, a chuva quase vinha, fechamos a casa, corremos pela rua morta, chegamos à praça, ficamos esperando Pedro, que logo chegou buzinando desesperadamente pela cidade silenciosa.
- Bora?
 Entramos na Hilux completamente suja de lama. Ficamos sozinhos no banco de trás:
- Nem sabia que eu era motorista.
- Hehehe.
- E aí? Transaram muito na cidade? Tá vazia, se vocês fizessem uma oralzinha na praça ninguém ia ver.
- Pedro! – Gean disse quase gritando.
- Relaxa G. – eu disse beijando Gean na bochecha.
- Relaxa Gezinho. – Pedro enchendo o saco.
 Gean ficava com raiva, mas logo ria das idiotices que o amigo falava sem parar. Eles foram me deixar em casa, no caminho Pedro falou algo sobre uma menina que ele tinha conhecido, muito linda mais tinha namorado:
- Eu vou pegar aquela gostosa.
- Ah ta.
27 de fevereiro
07h 54min.
- Bob?
 Subi as escadas correndo, sempre eu ficava tenso quando ela chamava, tinha medo de algo de ruim ter acontecido, mas não.
- Oi vó.
 Ela se olhava no espelho velho de corpo todo que estava no seu quarto trazido de sua casa. Vovó estava com a gente há algum tempo, mas era como se a angustia fosse nova. Ela tinha uns 60 anos, era branquinha, baixa, tinha um rosto simples que lembrava a mamãe.
- Eu estou feia. – disse tirando o véu que cobria a cabeça sem cabelos.
- A senhora sempre vai ser linda.
- Quem dera filho. – ela pegava na cabeça e o olho ficava cada vez mais cheio de lágrimas. Os meus também, mas eu tentava esconder. – Eu estou morrendo de medo disso tudo.
- Como assim vó? De que?
- De morrer.
- Vó!
- Eu quero ver seu avô, estou com saudades, mas não quero sofrer. Tenho medo de como será essa passagem.
-... – não havia o que dizer. Abri a boca, mas nada saiu.
- Eu quero morrer na minha casa, aqui é lindo, mas eu quero ir pro meu lugar. Me ajuda filho...
- Claro vó.
- Eu sei que não vai demorar. Eu quero estar lá.
 Olhei pra trás, ninguém estava em casa...

Nenhum comentário:

Postar um comentário